_Se me der a folha certa_ _E eu cantar como aprendi_ _Vou livrar a Terra inteira_ _De tudo que é ruim_ _Eu sou o dono da terra_ _Eu sou o caboclo daqui_ (Kirimurê – J. Velloso) Neste boletim apresentamos um balanço de um mês e meio (de 02 de julho à 15 de agosto de 2020) de atividades de monitoramento dos impactos e do enfrentamento da COVID-19 entre os povos indígenas nos dez estados que compõem a área de abrangência da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo). Passados 45 dias do nosso primeiro boletim podemos observar que a pandemia de Covid-19 segue se expandindo sobre as terras indígenas no Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, impactando territórios muito diversos entre si. *O impacto da pandemia* O quantitativo de casos acumulados triplicou em apenas um mês e meio, com dois estados passando dos 500 casos – Paraíba e Ceará – e a Bahia com 491. O índice de recuperados felizmente cresce na mesma proporção, ainda que haja uma demora na divulgação dos dados. Assim, os casos confirmados aumentam apenas na sequência dos casos recuperados, o que nos impede de ter uma percepção mais ágil e detalhada do avanço da pandemia sobre os povos indígenas. As terras indígenas com o maior número de casos são justamente aquelas que estão em áreas urbanas ou muito próximas destas: Potiguara (PB), Fulni-ô (PE), Tremembé de Almofala (CE), Barra Velha do Monte Pascoal (BA), Coroa Vermelha (BA), Tapeba (CE) e Tupinambá de Olivença (BA). Dessas, apenas a TI Fulniô não se encontra em áreas litorâneas e turísticas. *A disseminação da Covid-19 continua a ocorrer principalmente por via terrestre*, seguindo o eixo das principais rodovias da região, como: a BR-101, a BR-232, a CE-085, a BR-423 e a BR-020. Já há contaminação significativa nas terras indígenas ao longo do rio São Francisco, principalmente no Baixo e Submédio cursos do Rio. *Subnotificação e falta de transparência* Há grande subnotificação de casos e foram feitas apenas duas testagens massivas em povos indígenas. A primeira entre os Xokó de Sergipe, realizada por uma equipe conjunta da UFS e do governo estadual. Os 07 casos notificados até então pularam para 47 casos numa população de cerca de 400 pessoas e que vivem em uma ilha. Felizmente, a comunidade adotou todos os procedimentos necessários e, no momento, não existe nenhum caso registrado e tampouco de suspeita, confirmando a cura dos 47 casos citados. A outra testagem vem sendo realizada pelo governo do estado do Piauí, e já passou pelas comunidades Tabajara e Tabajara-Tapuio da região de Piripiri e os Warao de dois abrigos de Teresina, revelando 61 novos casos. Estas duas testagens massivas evidenciam o tamanho da subnotificação dos casos de Coronavírus entre os povos indígenas. Assim, podemos estimar que para cada caso notificado podem existir pelo menos outras 6 pessoas contaminadas e assintomáticas que podem estar transmitindo o vírus. Em populações pequenas e com intensa sociabilidade cotidiana esse é um grave fator epidemiológico. A subnotificação e a falta de transparência em vários Distritos Sanitários na divulgação dos dados epidemiológicos têm prejudicado o acompanhamento da expansão do vírus. Para este boletim mesmo, temos informação confirmada de contaminação nas aldeias Gerutucunã (Pataxó) e Aldeia Verde (Maxakali) ambos em Minas Gerais, porém sem dados numéricos da quantidade de pessoas contaminadas. A falta de atendimento de vários povos indígenas pelos DSEI também dificulta a contabilização dos casos, que são testados pelas prefeituras municipais, mas nem sempre identificados adequadamente como indígenas. Esse é o caso de todos os povos indígenas do Piauí e do Rio Grande do Norte e também dos Tabajara na Paraíba e dos Kariri e Karão-Jaguaribara, no Ceará. Os Karão-Jaguaribara tiveram diversos indígenas apresentando sintomas e até o momento só conseguiram acessar o atendimento através de apoio da prefeitura municipal de Canindé, mas ainda insuficiente para uma testagem que apresente um quadro mais real da pandemia neste povo. *Iniciativas indígenas de contenção da pandemia* O esforço das comunidades indígenas na autoproteção de seus territórios continua. Porém, a efetividade das mesmas tem variado bastante e muitas terras indígenas desistiram das barreiras sanitárias pois a contaminação ultrapassou as mesmas e alcançou fortemente a população das aldeias. Esforços coordenados com instâncias do poder público têm continuado, mas nem sempre tem surtido os efeitos esperados. Principalmente depois que começaram as pré-campanhas eleitorais municipais. O que se reflete também na divulgação dos dados epidemiológicos por parte das prefeituras, que antes eram sistemáticos e hoje são mais esparsos. *Vidas não podem ser só números* O número de óbitos continua a crescer e de modo preocupante, com um indígena falecido a cada três dias por conta da Covid-19. São 46 óbitos registrados até o dia 15/08/2020: Pernambuco – 12; Ceará – 08; Paraíba – 07; Bahia – 06; Alagoas – 04; Rio Grande do Norte – 05; Minas Gerais – 01, Piauí – 01, Sergipe – 01; Espírito Santo – 01. Desse total, a Sesai só contabiliza 19 óbitos. Alguns ainda são tidos pelo órgão como em investigação e outros não foram notificados por se tratar de indígenas que viviam fora das terras indígenas, de grupos não cadastrados pela Sesai, bem como a situação dos Warao. Assim, continuamos a observar um descompasso entre as informações oficiais e a dura realidade vivida pelos nossos povos nessa pandemia. Sendo urgente a adoção das medidas de proteção determinadas recentemente pelo Ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709 (ADPF – 709). Essa ação judicial é uma vitória do movimento indígena brasileiro e prevê: _Imediata extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos aldeados situados em terras não homologadas._ _ Extensão dos serviços do Subsistema Indígena de Saúde aos povos indígenas não aldeados, exclusivamente, por ora, quando verificada barreira de acesso ao SUS geral._ _ Elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da COVID-19 para os Povos Indígenas Brasileiros pela União, no prazo de 30 dias contados da ciência desta decisão, com a