STF pauta para 1º semestre de 2022 o julgamento sobre aplicação do marco temporal
Sob ameaças de Bolsonaro, STF pauta para 1º semestre de 2022 o julgamento sobre aplicação do marco temporal na demarcação de terras indígenas No dia 17 de dezembro de 2021, foi divulgada a data da sessão de julgamento do STF que deverá decidir sobre a aplicação da tese do marco temporal, como ficou conhecida, aos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil: 23 de junho de 2022. A tese do marco temporal é uma interpretação defendida por ruralistas e interessados na exploração de terras indígenas que, caso aplicada, restringe severamente o direito das comunidades às terras que tradicionalmente ocupam, previsto no artigo 231 da Constituição. Eleito com um discurso racista e contrário à demarcação das terras indígenas – Bolsonaro chegou a afirmar em 2017 que não demarcaria “um centímetro a mais de terra indígena”[i]–, o atual Presidente da República já anunciou que vai “tomar uma decisão”[ii] caso o STF decida a favor das comunidades indígenas. Bolsonaro também indicou dois ministros para o Supremo Tribunal Federal: Nunes Marques, que tomou posse em agosto do ano passado, e André Mendonça, que tomou posse no dia 16/12/2021, e já declarou inclusive contar com o suporte do último em julgamentos estratégicos como o do marco temporal. Mas o que é o marco temporal e por que essa tese viola o direito das comunidades indígenas às suas terras tradicionais? E de onde vem a competência do STF pra proferir esse tipo de decisão? O julgamento sobre a TI Raposa Serra do Sol e o caso Xokleng vs. Estado de Santa Catarina. Desde a colonização, foram diversas as formas como o Estado tratou as comunidades indígenas, passando do extermínio direto e escancarado e a escravização até uma política de “assimilação” que sugeria converter o indígena em força de trabalho, esperando que, com isso, abrisse mão de sua identidade, cultura, práticas e costumes ancestrais. A ditadura militar acirrou essa política integracionista que transformou o indígena em inimigo público e percebia a sua presença como obstáculo ao progresso: para dar um exemplo, só na construção da transamazônica, chamada de “legado” dos militares por Bolsonaro, cerca de 8 mil indígenas foram mortos, cortando terras de 29 etnias, sendo 11 de povos isolados[iii]. É desse período a criação da FUNAI – Fundação Nacional do Índio e do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973). Com a Constituição de 1988, as comunidades indígenas conquistaram o reconhecimento de seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, conforme o texto do art. 231. A constituição não fixou nenhum marco temporal pra que a terra fosse considerada indígena. Por isso, terra tradicionalmente ocupada é aquela utilizada pela comunidade para realizar suas atividades tradicionais e de subsistência, independente do tempo de ocupação, como está na Convenção nº 169 da OIT[iv], já que esses povos são constantemente expulsos e ameaçados em seus territórios. Contudo, em 2009, no julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, o STF entendeu que a terra pertencia à comunidade porque já estava sendo ocupada quando a Constituição foi promulgada, em 05/10/1988, além de fixar inúmeras condicionantes à demarcação de terra indígena[v]. Dessa forma, ao fixar um marco temporal que não estava na Constituição, o STF atribuiu um ônus às comunidades indígenas que não foi estabelecido pelo legislador constituinte, nem consta de qualquer lei, o que, ao violar a regra geral de interpretação dos direitos fundamentais prevista no art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988[vi], acaba transferindo para as populações indígenas a conta histórica do genocídio e das remoções forçadas. Mesmo que a decisão proferida pelo STF no caso Raposa Serra do Sol não tenha efeito vinculante e o próprio STF tenha reconhecido em 2013 que esse marco só se aplicava àquela decisão[vii], a Advocacia-geral da União – AGU vem defendendo a aplicação irrestrita das condicionantes utilizadas naquele caso[viii], de modo que só fosse considerada terra indígena aquela que estava sendo ocupada em 05/10/1988, entendimento que vem sendo utilizado em ações de reintegração de posse e expulsões, como é o caso do processo do Estado de Santa Catarina contra o povo indígena Xokleng. Essa é a tese que está em discussão no STF. A discussão sobre a constitucionalidade do chamado “microssistema de precedentes judiciais obrigatórios” O STF atribuiu repercussão geral ao RE 1.017.365 – processo Xokleng vs. Estado de Santa Catarina. Isso quer dizer que a decisão tomada pode constituir precedente obrigatório em todos os processos que envolvam direito dos povos indígenas a seus territórios ancestrais. É importante chamar a atenção para a diferença entre a decisão vinculante do STF e o precedente judicial obrigatório: a Constituição de 1988 atribuiu ao STF a competência para tomar decisões dotadas de eficácia vinculante, ou seja, que devem ser observadas por todo o judiciário e administração pública: são apenas as chamadas súmulas vinculantes e as decisões tomadas em controle concentrado de constitucionalidade (artigos 102, § 2º, e 103-A da Constituição). Contudo, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de que o STF e demais Tribunais tomassem decisões que tivessem o caráter de “precedente judicial obrigatório”, adotando uma tese que, mesmo não se enquadrando nas hipóteses trazidas inicialmente na Constituição, deveria ser aplicada a todos os processos semelhantes. Essa possibilidade tem sido objeto de críticas e questionamentos quanto à sua constitucionalidade, de um lado, porque atribui ao judiciário a possibilidade de editar preceitos gerais e abstratos fora das hipóteses autorizadas pela Constituição; de outro, porque, atribuindo a essas decisões uma autoridade que não resulta do texto constitucional, também limita o direito à ampla defesa e ao contraditório das partes que não integraram o processo em que o precedente foi formado[ix]. Isso quer dizer que mesmo as teses fixadas pelo STF em julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral podem e devem ter sua aplicação questionada em cada caso, inclusive por meio de controle concreto de constitucionalidade, quando sua utilização resultar em violação a direitos constitucionais das comunidades indígenas. O marco temporal contribui para a insegurança territorial das comunidades indígenas e representa um retrocesso jurídico e social Mesmo sem
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