APOINME

NOTA TÉCNICA DA APOINME SOBRE O PL490/2007

 

Recife/PE, 28 de maio de 2023

 

NOTA TÉCNICA N. 28052023- APOINME

 

A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito (APOINME), a quem incumbe, promover o diálogo democrático, do acesso à informação, fundamentalmente, a orientação jurídica para os povos indígenas da sua área de abrangência, vem por meio deste, trazer considerações técnico-jurídica acerca do Projeto de Lei nº 490/2007, votada de forma urgente pelo Congresso Nacional, que tem tramitado na Casa Legislativa, e que viola os direitos constitucionais, humano e consuetudinário dos Povos indígenas do Brasil.

  1. Introdução

Conforme amplamente divulgado pelo nosso departamento de comunicação, e demais veículos de informações, foi aprovado em regime de urgência o Projeto de Lei 490/2007, nessa última quarta-feira, dia 24 de maio de 2023, sendo o Deputado Federal Homero Pereira (PSD/MT) o propositor desse projeto, que tenta transferir a atribuição de demarcar os territórios indígenas para o Poder Legislativo.

Dessa forma, a APOINME busca esclarecer que esse Projeto de Lei 490/2007 ofende aos preceitos jurídicos dos direitos indígenas dentro do texto constitucional, do Estatuto do Índio, da OIT, do Estatuto dos Povos Indígenas, se estabelecendo de maneira inconstitucional na sua integralidade.

  1. Projeto de Lei 490/2007 e as suas ameaças aos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente:

O Projeto de Lei 490/2007 tem surgido através dos interesses inerentes da pauta dos ruralistas e da bancada do agronegócio, que tem como ponto principal a transferência da competência da demarcação dos territórios indígenas para o poder legislativo, congresso nacional e senado.

A tentativa de transformar em Lei a Tese do Marco Temporal, que inviabilizará as demarcações dos territórios indígenas ainda não demarcadas, aquelas que estão em fase de estudos, alçando também as comunidades indígenas que já tiveram seu direito à demarcação reconhecida pelo estado, todavia antes de 1988, com a justificativa de que as comunidades indígenas só teriam o seu direito territorial resguardados se estivesse sendo ocupadas por essas populações, em caráter permanente, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.

O projeto de Lei também prevê a implementação de projetos que incentivam a construção de grandes empreendimentos que desrespeitam a presença indígena e impactam a sociobiodiversidade, sem garantir as populações indígenas a Consulta Prévia, Livre e Informada, da Convenção 169 da OIT.

Ainda, o Projeto de Lei, garante que seja possível que qualquer pessoa venha a questionar o processo administrativo da demarcação dos territórios indígenas, regulamentada pelo Decreto 1775/96, abrangendo aos processos demarcatórios das áreas indígenas que já foram homologadas, além de fortalecer, no seu interior, as práticas de grilagem nas áreas indígenas conduzidas de maneira exacerbada.

Assim, também permitirá o esvaziamento da discussão jurídica no que refere a distinção já existente no direito sobre a posse tradicional indígena, a partir da sua atemporalidade, que está prevista na constituição federal de 1988, dando maior ênfase ao direito civil a partir da sua posse privada, o que autoriza que o agronegócio se sobreponha aos interesses dos povos indígenas e crie possibilidade de intervenções do agronegócio nos territórios indígenas. Além disso, reformulará a política indigenista que tenta proteger as populações originárias, na perspectiva de alterar o contexto e entendimento jurídico do que é a ocupação tradicional e o usufruto exclusivo dessas populações.

Ademais, o PL 490/2007 traz uma vasta violação ao direito indígena quanto a tentativa de retrocesso da política indigenista, no que tange ao regime de tutela e interacionismo, ameaçando a existência dos povos indígenas isolados.

  1. A inconstitucionalidade do PL 490/2007:

Sendo assim, a APOINME vem ressaltar a inconstitucionalidade do PL 490/2007, no que concerne as ameaças ao texto constitucional e demais instrumentos jurídicos que protegem a política indigenista, uma vez que a possibilidade de transferência de competência da demarcação dos territórios indígenas viola o art. 231 da Constituição Federal, visto que o procedimento demarcatório deve ser disponibilizado pela União, protegendo e assegurando o bem viver dessas comunidades indígenas, e que consequentemente, cabe ao governo brasileiro reconhecer o direito originário dessas populações, por meio de ato administrativo de natureza declaratório.

Vale mencionar que o procedimento administrativo da demarcação territorial dos povos indígena segue trâmites e etapas regulamentado pelo Decreto 1775/96 e são acompanhados por profissionais qualificados na área de estudo e delimitação da área, com a participação do órgão indigenista a quem tem competência de atuação, proteção e respeito à política indigenista, a FUNAI, além da participação de outros órgãos federais e estaduais.

Quanto a tentativa de transformar em Lei a Tese do Marco Temporal, representará um profundo golpe contra ao direito de autodeterminação e afirmação dos povos indígenas, regulamentada pela Convenção 169 da OIT, confirmando as práticas coniventes de uma política do Estado que protagoniza o massacre e criminalização dos povos indígenas do Brasil, consubstanciada pela negligência com o dever constitucional de demarcar, proteger e respeitar os direitos dessas populações que permanecerem nas terras que tradicionalmente ocupam.

Essa conivência apenas denuncia as condições estruturais de formação do Estado brasileiro: sem a participação democrática dos povos originários e contra a sua presença. Revela também a cumplicidade dos partidários de um programa de desenvolvimento amparado na expansão da fronteira agrícola e na exploração de terras ancestrais, contra o poder de decisão e autodeterminação das comunidades tradicionais.

Ademais, quanto as inúmeras violações ao meio ambiente e a biodiversidade, os povos indígenas são o exemplo de sociedade que protegem, defendem e promovem ações que incentivam a conservação do meio ambiente. Por meio de suas práticas do dia-a-dia nos territórios e por dialogar por políticas de justiça climática, os povos indígenas buscam não apenas a garantia e manutenção do bem-viver dos seus povos, mas também possibilidades de conservação à biodiversidade e do ecossistema protegidos, que venham garantir a existência de todas as sociedades, inclusive as não- indígenas.

Cabe destacar que, se for aprovado o mérito da PL 490/2007, há uma grande probabilidade de serem desenvolvidos sérios impactos ao meio ambiente, como por exemplo a intensificação das mudanças climáticas, as populações estarão mais propensas a serem afetadas pelas crises climáticas, promovendo sobretudo violações físicas, ambientais e culturais a toda a sociedade brasileira.

 

Antônio Fernandes de Jesus Vieira (Dinamam Tuxá)

Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e Coordenador Jurídico do Departamento Jurídico da APOINME

 

Adelmar Fernandes Barbosa Júnior

Advogado do Departamento Jurídico da APOINME

 

Luiza Kelly Assis de Oliveira (Ayrumã Tuxá)

Estagiária do Departamento Jurídico da APOINME

Acadêmica de Direito (UFBA)

 

 

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